quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Sobre o judiciário e o acesso à justiça

Temos no judiciário a capacidade de "dizer o direito", sendo ele o realizador do mesmo. Ao superar a ideia de subsunção (ato de o aplicador do direito enquadrar um fato individual em um conceito abstrato normativo a ele pertinente, basicamente: caso + lei = sentença), o poder toma para si uma função social, política e contra-majoritária.

Enquanto o Legislativo e o Executivo seguem o princípio majoritário (foco na maioria), cabe o Judiciário a defesa dos interesses das minorias, envolvendo a questão do acesso à justiça.

Mauro Cappelletti em seu Projeto de Florença trata sobre o acesso à justiça focando em "ondas de acesso":
  • A primeira onda refere-se à acessibilidade dos mais pobres ao judiciário, sendo perceptível no instituto da Defensoria Pública, bem como no artigo 5º, inciso LXXIV da Constituição Federal de 1988: "O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recurso.";
  • A segunda onda é aquela sobre a representação de interesses coletivos (direitos difusos), correspondente a criação da lei de ação civil pública, do ECA, do CDC e etc;
  • A terceira onda envolve a questão do chamado "obstáculo processual", consequência inclusive do próprio aumento no acesso, que vem a causar o atolamento do sistema judiciário e, portanto, a morosidade.
Ou seja, o Estado passa a possibilitar um maior acesso através de tais mecanismos (ex: Defensorias Públicas, justiça gratuita e juizados especiais).

Através da constitucionalização do Direito, a constituição passa a tratar sobre diversos ramos diferentes, impondo a eles que sejam lidos a partir dela, envolve também a politização das relações sociais, fazendo com que o Judiciário passe a envolver-se diretamente em questões de grande relevância coletiva, como visto na ADPF 54 (aborto de anencéfalos). A Constituição Federal de 1988 versa largamente sobre direitos fundamentais, incluindo os instrumentos já citados acima.

O aumento nas demandas, apesar de benéfico para a sociedade gera, também, o problema do abarrotamento do sistema judiciário, que passa a exigir medidas para contê-lo. As soluções envolvem, por exemplo, o uso de súmulas vinculantes, que permitem ao juiz até mesmo extinguir uma ação com base nos precedentes de sentenças em casos semelhantes; a volta de "meios alternativos de resolução" (ADR - Alternative Dispute Resolution), como mediação, conciliação e arbitragem; colocação de metas de produtividade; o avanço no uso de procedimentos eletrônicos; a super formação do juiz em diversas áreas e o aumento do poder do mesmo.

Obs.: Deve-se salientar a problemática nos efeitos dos dois últimos pontos acima, envolvendo o excesso de funções que pode vir a ser atribuída ao juiz e quanto ao aumento de seu poder, o perigo referente a confiabilidade das decisões quando tomadas, por exemplo, em função da razoabilidade.

Apesar de todos esses pontos focados na resolução de tal situação, ainda estão presentes diversos desafios ao acesso á justiça, sendo eles: o formalismo (inclusive na linguagem), que afasta a maior parte da sociedade do conhecimento básico jurídico e de seus direitos; o valor referente as custas e aos honorários; a precariedade das defensorias públicas; a morosidade (atenção aqui por esta ser, também, uma consequência); o abuso do direito de agir; o tempo morto do processo, quando concluso, perdido nas varas, cargas extensas feitas por advogados e etc, por exemplo; e o uso excessivo por alguns entes, principalmente aqueles do Estado, como a União.

Texto feito com base na aula de Sociologia Jurídica do dia 24 de Setembro de 2012.

terça-feira, 17 de abril de 2012

UFOP recebe Selo de Qualidade da OAB

Nossa grandiosa UFOP recebeu ontem o Selo de Qualidade da Ordem dos Advogados do Brasil, integrando então o grupo dos 89 cursos (dentre os 1210 existentes) de Direito com destacada qualidade e outorga da OAB.

Para participar da avaliação os cursos precisaram ter participado dos três últimos Exames de Ordem unificados com, no mínimo, vinte alunos participando em cada. Quanto a análise, foram avaliados os índices obtidos por eles nos Exames, bem como o resultado do último ENADE, realizado em 2009.

A lista completa está localizada no seguinte link: Selo de Qualidade da OAB.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Íntegra do voto do ministro Luiz Fux sobre anecefalia

Segue abaixo o link com o voto na íntegra do ministro sobre o tema: 

"Primavera de 1980. Jovens casais aguardam na fila do Hospital São José, Rio de Janeiro, o momento sublime do parto. Ali, sonhos se multiplicam na imaginação das mulheres que estão prestes a dar à luz. A figura do filho amado crescendo, se desenvolvendo e preenchendo a vida daqueles que o esperam é o que certamente ocorre àquelas gestantes. Em contraste, chamava a atenção de todos uma jovem moça, que também aguardava na mesma fila, em copioso pranto, juntamente com o seu marido. A comoção se justificava: no lugar de sonhos cultivados, esta gestante assistiu durante nove meses ao funeral de seu filho. O pequeno caixão branco por ela encomendado era o símbolo de um ritual tão triste quanto severo com uma mulher que, em verdade, jamais conseguirá ser mãe do filho que gestava."


Interessante também é a leitura dos pareceres sobre os ministros que votaram contra a ADPF 54, os quais se embasaram, principalmente, no argumento de que não sabe ao STF fazer o papel de legislador positivo, a saber: Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski.

Sugestões populares sobre ao novo Código Penal pedem endurecimento da lei

Segue aberta no site do Senado Federal a possibilidade do envio de sugestões para a reforma a ser realizada no atual Código Penal, datado de 1940.

Ontem foi publicado um pequeno artigo no site do STJ sobre as opniões enviadas pela população, nas quais a grande maioria versa sobre o endurecimento das penas e sobre a redução da maioriadade penal. Quanto ao primeiro caso, as propostas envolvem aumento da pena máxima - incluindo prisão perpétua e pena capital -, maior rigidez nos regimes de progressão, castração química de estupradores e pedófilos e uma atenção real a ser dada aos crimes contra a administração pública, como nos casos de corrupção: "Houve também a defesa da pena de morte para as mais diversas situações. Da cidade de São Paulo, um cidadão sugeriu: “Pena de morte para quem cometer corrupção com dinheiro público”. Outro, de João Pessoa, opinou: “Qualquer crime que prejudique a economia ter como condenação a pena de morte. Qualquer crime que envolva a vida e a honra dos cidadãos ter como condenação a pena de morte.”".

O que se percebe a partir disso é o anseio popular para o fim da sensação de impunidade que envolve as matérias penais no Brasil. O desespero para o endurecimento das penas muitas vezes não significa exatamente a busca por uma legislação mais "cruel", mas sim por uma que seja propriamente aplicada. Considerando a data do Código vigente, talvez seja passível o debate sobre uma atualização em seu conteúdo, porém devemos nos atentar para o fato de que uma lei mais dura não significa necessariamente uma sociedade mais segura, muitas vezes causando situações ao inverso das planejadas. A problemática do crime não será resolvida com penas, como tende a ocorrer no Brasil com suas constantes políticas de reformas, mas sim com propostas preventivas que gerem maior igualdade.

Como ressalta no texto o sociólogo Tulio Kahn: "Não é só mudança de leis, quem dera! Você precisa de gestão, você precisa de recursos, de sistema... Mas os meios de comunicação, o Congresso Nacional focam em resolver a questão mudando a lei”. Seguido do ministro da Corte Suprema de Justiça da Argentina, Eugenio Raúl Zaffaroni: “O delito violento só se previne com mais igualdade, mais investimento em educação, mais universidades públicas, mais acesso à instrução, melhor distribuição de renda e, especificamente, qualidade técnica, melhoria das condições de trabalho, profissionalização, dignificação e controle político e judicial das polícias”.

Caso queiram enviar suas sugestões, o link é http://www.senado.gov.br/senado/alosenado/codigo_penal.asp. Bem como segue o link com a matéria na integra: Sugestões populares ao novo Código Penal pedem endurecimento da lei.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Justiça como Lei ou Lei como Justiça

Segue agora um resumo bem simplificado do texto "Justiça como Lei ou Lei como Justiça" de Paulo Grossi, feito com base nas questões da monitoria realizada ontem (03/10/11). Qualquer coisa a ser acrescentada, sintam-se a vontade.

O homem comum desconfia do Direito, uma vez que não o vincula a ideia de Justiça, mas sim apenas a da Lei. Para o cidadão comum o Direito é a Lei que cai do alto sobre ele, independente de sua vontade, provinda de um órgão superior que muitas vezes desconhece seus anseios. Ao individuo cabe obedecer a lei, ainda esta lhe pareça injusta, restando-lhe apenas esperança de que aqueles responsáveis pela sua elaboração venham a preocupar-se com a realidade social que a permeia.

Tem-se da Lei como características seu caráter abstrato (indiferença perante casos ou motivos particulares), rigidez (indiferença perante as possíveis exigências dos destinatários) e autoritariedade (indiscutibilidade de seu conteúdo). Todas estas visivelmente tendem a tornar o sujeito comum um ser afastado do Direito.

O autor pretende desconstruir a ideia de que o Direito sempre foi a Lei. No pensamento medieval, o poder político não buscava controlar a integralidade do fenômeno social, portanto não cabia a Lei responsabilizar-se por todo o plano jurídico, daí não ser o ponto chave do mesmo. O conceito de que o Direito deve estar posto em Leis surge com o Iluminismo.

A premissa básica que envolve a comparação entre os dois é que no âmbito medieval o Direito surge como um fim supremo da sociedade civil, enquanto no período moderno é um instrumento de poder político. No primeiro momento, o Direito é algo mutável, atento as modificações sociais que ocorrem a todo momento, enquanto no segundo, o Direito surge como Lei necessária a todo ordenamento jurídico e como instrumento do poder político, devendo ser estável e abstrata, bem como rígida.

Para Santo Tomás de Aquino, a “lei é um ordenamento da razão voltada para o bem comum, proclamado por aquele que possui o governo de uma comunidade.”. Daí retirasse que o Direito possuía um ordenamento objetivo, visando o que a comunidade julgava ser o bem comum.

Durante o período medieval o individuo existe apenas como parte integrante do tecido social, da comunidade na qual se inseria. Apenas com o advento da modernidade e do iluminismo que o sujeito passou a ser visto de forma única, como individuo dotado de consciência. As fontes do que era considerado Direito no medieval – leis, costumes, opiniões doutrinárias e sentenças – sedem lugar a uma fonte única proveniente de um Príncipe legislador, ou seja, a Lei, pura e rígida, abstrata.

Tem-se no título os ideais de Justiça como Lei e de Lei como Justiça. A “Justiça como Lei” é entendido de acordo com os ensinamentos de São Tomás de Aquino, no qual é posto em vista que o conteúdo da Lei deve ser necessariamente justo, enquanto na “Lei como Justiça”, tem-se que o que é justo é o que está posto na Lei, independente de seu conteúdo.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

F de Fidelidade - O Abecedário de Gilles Deleuze

Texto apresentado à disciplina de Filosofia:


F de Fidelidade - O Abecedário de Gilles Deleuze

Deleuze diz que não há fidelidade e transpõe o foco da Fidelidade para a Amizade, dizendo inclusive que o termo fidelidade foi usado apenas como conveniência, já que o A já havia sido preenchido.

Para ele, amizade é se entender sem precisar explicar, como com alguém que lhe diz as coisas mais complicadas do mundo e, mesmo assim, a você é possível compreender por completo. Daí se dá a amizade, não pela existência de ideias em comum. Cada pessoa possui determinado charme em sua personalidade, algo que atrai as demais, e a amizade acontece a partir da percepção desse charme, sendo que cada indivíduo está apto a entender certos tipos de charme, mas nenhum consegue entender todos ao mesmo tempo, vindo daí o fato de não sermos amigos, ou fiéis, a todos. Deleuze dá como exemplo o uso de determinadas frases, as quais ditas por alguma pessoa que possui o charme para tanto, faz com que você a perceba como sua amiga. Seguindo esse exemplo, a amizade torna-se o decifrar de signos. Alguém emite um signo e nós o captamos ou não, e a amizade é ser sensível a tais signos.

Deleuze compara suas amizades com outros filósofos à algumas duplas comediantes, como, por exemplo, o Gordo e o Magro, e terminar por chegar na questão da própria filosofia, da etimologia da palavra, sobre a qual diz que o filosofo não é um sábio, não detêm a sabedoria, mas é sim um amigo dela, o filosofo é um pretendente da sabedoria.

Percebe-se também que abandonou o tema inicial, a Fidelidade propriamente dite, ao falar que se deve desconfiar inclusive do amigo, mas é uma desconfiança que é superada pela amizade, na qual não importa o que seja feito, os amigos terminarão sorrindo juntos, daí a amizade ser maior do que a fidelidade.

Para continuar atento ao assunto, é usada a amizade de Deleuze com Foucault como exemplo, sobre a qual ele diz que se arrepende por não ter tentado, uma vez que o percebia com muito respeito, ao considerar Foucault um homem que possuía a capacidade de mudar a atmosfera de um ambiente ao adentrá-lo. Mas mesmo apesar de tais fatos, é com Foucault que é demonstrada como pode funcionar uma verdadeira amizade, na qual não há necessidade de falar com o amigo, falando apenas de coisas que os fazem rir. Diz que ser amigo é ver a pessoa e pensar o que os farão rir juntos naquele momento. Aproveita também o nome de seu amigo para retomar o “charme”, dizendo, por fim, que o verdadeiro charme surge quando as pessoas perdem as estribeiras, não sabendo bem em que ponto estão. As pessoas com charme não se destroem nesse momento de loucura, mas é justamente nele que é possível captar o que fará você amá-la. Deleuze termina por dizer que, para ele, o estado de demência e loucura de alguém pode assustar, mas que ele fica feliz em constatar que é justamente daí que surge o charme de cada um.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

O dia em que ganhei a primeira causa

Entendo que não é exatamente correto falar sobre os casos que acontecem no escritório ou sobre as audiências com terceiros, provavelmente menos ainda sair fazendo comentários na internet, mas considerando as circunstâncias eu meio que necessito compartilhar esse sentimento com as pessoas, e acredito que o melhor lugar seja aqui no Direito de Boteco, inclusive porque espero que em certo momento de nossas carreiras todos possamos passar por isso. Digo também que tentarei ser o mais genérico possível, para evitar quaisquer espécies de reconhecimento dos envolvidos.

O negócio é que hoje ganhei minha primeira ação por mérito próprio, e foi legal pra caramba. Sabem quando você faz algo em que acaba com aquele sorriso imbecil na boca e não consegue mais tirar? Foi mais ou menos assim que sai da sala de audiência.

Pois então, hoje ocorreu uma audiência e, como sempre, fui cumprir meu humilde papel de preposto lá no Juizado Especial Cível (está na lista fazer um post sobre o que é o JEC e como o vejo funcionando), era uma de instrução, então além de atrasar como quase sempre – marcada para dez horas da manhã e começar às onze e meia - , bem capaz demoraria um bom tempo. Ao começar já percebi que eu havia sido preposto também na de conciliação do mesmo processo ainda em 2010, então lembrei mais ou menos os acontecimentos que, para evitar qualquer conflito moral, direi apenas que o autor reclamava sobre cobrança indevida, aquela velha história de “não fiz essa compra com o cartão e estão me cobrando mimimi”. Eu e meu patrão estávamos pelo banco e outro advogado estava pela empresa envolvida, acompanhado da proprietária da mesma.

Colhidos os depoimentos do autor e da requerida, o advogado da empresa requereu a juntada de alguns comprovantes de compras efetuadas com o cartão, todos devidamente assinados, tendo o juiz acatado e dando prazo para impugnação, importante dizer que ao ser questionado sobre a autenticidade das assinaturas o autor respondeu que aquelas não eram assinaturas dele e nunca havia visto tais recibos. Daí foram ouvidas as testemunhas, e isso é meio chato então vou pular para a parte importante: a hora de assinar o termo de depoimento (sinceramente, não sei se esse é o nome correto). Nesse momento não tão solene, enquanto todos assinavam eu dei uma olhada boa no autor, e ao ver as mãos percebi que a assinatura ali era extremamente parecida com a dos recibos juntados minutos antes, justamente aquelas que ele não havia reconhecido como suas. Liguei meu modo malandrops, dei um cutucão no meu chefe e falei: “doutor, a assinatura dele ali na ata tá igualzinha a dos comprovantes que ele negou”. Aí rolou o estalo. O cara chamou o outro advogado pro lado, mostrou, deram aquela conversada, voltaram para a mesa, e nada mais fizeram além disso. Eu sabia que havia notado algo importante, mas pensei que acabaria passando batido.

Audiência vai, audiência vem e chegamos ao final. Antes do juiz dar a sentença, abre espaço para a advogada do autor impugnar os documentos apresentados, o que ela realmente faz alegando que os recibos contem assinatura falsa, podem ser motivos de fraude e tudo mais esperado, o que estaria correto não fosse a nossa carta na manga. Como o nosso colega juntou os documentos, nada deveria ser impugnado por ele, mas eu e meu patrão poderíamos pedir a palavra, o que foi feito, daí sim, jogamos na mesa o fato então obtido sobre as assinaturas, confirmando, por fim, a autenticidade das dívidas. O juiz fez uma cara de espanto, deu uma olhada e lançou um “é, doutores, nessas horas que nós vemos a importância do contraditório, né não?”.  Proferida a sentença de extinção sem julgamento de mérito (o que para nós já era bom o suficiente) a um bom contragosto da advogada do autor, que garantiu um futuro recurso, assinamos a ata e fim de jogo.

Ao final o juiz veio falar que foi realmente esperto termos notado isso ali, e foi então que meu chefe falou: “olha, doutor, dessa vez tenho que admitir que o ganhador dessa causa foi o Vinícius aqui, não fosse ele ter notado a assinatura, eu mesmo nunca a teria percebido”. Não vou negar que meu ego inflou um bocado daí pra frente. O juiz perguntou se eu era o estagiário, disse que era a hora de me darem um aumento e por aí vai... acho que só quem não curtiu muito a situação foram os autores mesmo, obviamente.

A satisfação, mesmo sabendo que não foi aquela coisa de outro mundo, foi enorme, de verdade. Receber os parabéns e saber que você fez a diferença em algo assim, e ser reconhecido por isso, é muito gratificante. Me prometeram também um churrasco para comemorar minha primeira e precoce vitória numa audiência, quero até ver onde isso vai parar!

terça-feira, 14 de junho de 2011

Sobre Direito e prazos

Um dos inimigos constantes dos estudantes, não apenas dos de Direito, é o tempo. Aparentemente sempre insuficiente, mesmo quando nos é disponível quase um mês para preparar a apresentação daquele maldito seminário que vale 1/4 da nota do semestre chega a ser assustador o modo como praticamente nunca é possível aproveitá-lo por completo. Eu mesmo me transformo nesses períodos, semana passada uma colega de sala comentou que sou o cara mais tranquilo do Brasil em 90%do tempo, mas é só surgir um trabalho em grupo ou algo do gênero que fico irritadiço e começo a controlar tudo e todos. Ocorre que para nós, estudantes das artes da lei, surge aí uma oportunidade que negligenciamos sem nem saber o que está sendo desperdiçado: o hábito de lidar com prazos. E acreditem, digo com certa propriedade que isso nos valerá muito no futuro.

O que faz com que eu sinta liberdade para falar sobre isso é o meu estágio, no qual estou atualmente a mais de um ano. Durante a faculdade existe todo um circulo de apoio em relação ao uso do seu tempo, como aquele professor que dispõe de aulas para auxiliar nas tarefas e aquele colega que das duas umas: ou você descaradamente se aproveita da boa vontade fazendo com que ele praticamente faça tudo (o que, a meu ver, torna o aproveitador um babaca completo) ou, quando estiver com dificuldades e indisponível rola aquele apoio mútuo. E isso é muito bom, já que nesse período uma boa parte dos universitários não tem uma vida dedicada exclusivamente ao curso. Penso que o problema surge quando passa a haver um total descaso, largando mão de um certo controle e jogando tudo para as últimas horas.

Ao trabalhar num escritório de advocacia, uma das coisas que pude perceber é a luta diária que teremos contra os prazos, e é aí que o bicho pega, já que não perderemos apenas cinco pontos se os esquecermos, mas sim toda uma causa, a credibilidade perante os atuais e possíveis futuros clientes e por aí vai. Além do que, já não mais existirá puxão de orelha dos colegas e dos professores, nós teremos que nos virar para manter tudo em ordem, seja assinando sites como o ClipDO, seja consultando o Diário Oficial todo santo dia. É claro que uma boa equipe com estagiários e secretárias decentes ajuda, mas é no advogado que o pau quebra, meus amigos. Ainda que muitos não pretendam seguir essa carreira, fato é que os prazos estão presentes em todo o leque de opções das carreiras jurídicas, e ele dá dor de cabeça, podem apostar.

Imaginem uma situação simples: você toma uma sentença na qual quase todos os seus pedidos são julgados improcedentes e, por sorte, isso foi devido a um erro gritante do magistrado, bastando então um recurso para reverter toda a situação. Com tudo em mãos, você dá o mole tremendo de não protocolar a petição no prazo e o que acontece? Fim de jogo, companheiro, não vai rolar trabalho extra ou prova de recuperação para você reaver o dinheiro perdido. E esse é um dos casos mais simples e comuns que podem acontecer, imaginem em coisas mais sérias com as quais teremos que lidar no futuro cotidiano? Sempre tento ter em mente que mais do que o ganha pão, tenho em mãos a vida de outras pessoas, e não se brinca com nenhum dos dois.

É claro que sempre rola aquela conversa por de baixo dos panos, exemplificando a famosa máxima na qual o mundo é dos espertos, ou qualquer outra do tipo que preferir (pessoalmente, odeio esses ditados. Passar por cima dos outros ou das leis - o famoso jeitinho brasileiro - nunca foi o meu forte e menos ainda após começar a faculdade), mas não apostem suas fichas nisso.

O conselho que procuro seguir e agora passo adiante é para começarmos a nos acostumar com essas condições que nos são impostas e aprendermos a trabalhar com elas, não contra a maré. Não será aquele tipo de coisa que só veremos na faculdade para cumprir carga horária, mas sim estará conosco o tempo todo em nossos futuros profissionais, então por mais difícil que seja no princípio, e eu sei que é pois está sendo para mim, proponho, pelo ao menos, tentarmos encarar essa realidade de frente ao invés de empurrar tudo com a barriga. É foda? Enche o saco? Sim, isso e muito mais, porém de nada adianta todo o esforço, cinco anos de faculdade e uma prova da Ordem para perder uma pancada de oportunidades pura e simplesmente por não conseguir controlar o calendário.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

De volta para o futuro

Pois então, meus amigos, após mais de um mês desaparecido do Direito de Boteco (e ainda mais da internet no geral) consegui enfim uma parcela de tempo disponível para me dedicar a certos hobbies, e incluo esse humilde blog em um dos mais prestigiados lugares da lista.
 
A verdade é que meu velho computador não estava dando conta do recado, principalmente por ser um desktop convencional, e considerando o pouquissímo tempo que tenho para ficar em casa essa falta de mobilidade era um obstáculo a ser posto em destaque. Venho aqui de boca cheia informar que depois de anos alimentando o sonho de consumo, enfim comprei um notebook (não depois de muita dor de cabeça ao procurar o modelo certo haha).
 
O que isso nos acarreta, afinal? A óbvia possibilidade de postar em locais diferentes, bem como maior disponibilidade para digitar as gambiarras que escrevo no meu caderno (demora um pouco para traduzir meus hieróglifos, mas eu chego lá). Fato é que com isso espero poder manter o blog com a devida propriedade que ele merece e que eu pretendia desde o começo.
 
No mais, peço desculpas pelo aparente descaso, mesmo que longe de ter sido esse o caso. E é claro, agradecer aos elogios que ele recebeu nesse pouco tempo de vida e em que permaneceu em coma, especialmente à (correto esse uso da crase?) Aninha Coelho, primeira comentarista por aqui, espero que não tenha sido a última vez!
 
O próximo post será sobre algum tema real da área, só falta eu localizar algum que tenha em concreto aqui, abraços.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Do pagamento com sub-rogação

     1. Conceito

- Trata-se de modalidade especial de pagamento, que traduz o cumprimento da obrigação principal por um terceiro, que passa a ocupar a posição de credor com os mesmos direitos do credor originário; a sub-rogação é uma figura jurídica anômala, pois o pagamento promove apenas uma alteração subjetiva da obrigação, mudando o credor. A extinção obrigacional ocorre somente em relação ao credor, que nada mais poderá reclamar depois de haver recebido do terceiro interessado o seu crédito. Nada se altera, porém, para o devedor, visto que o terceiro que paga toma o lugar do credor satisfeito, passando a ter o direito de cobrar a dívida com todos os seus acessórios.

     2. Espécies

2.1 – Sub-rogação legal: é aquela decorrente da lei, independente de declaração do credor ou do devedor. O terceiro interessado torna-se o credor ao satisfazer o crédito (art. 346, C.C./02)

• Inciso I: “do credor que paga a dívida do devedor comum.”

- Devedor possui mais de um credor; um dos credores paga o crédito do devedor com os demais, sub-rogando-se em seus direitos. O credor pode ter em vista assegurar a consistência prática do seu direito, em face de competidor mais forte, como também prevenir-se da perda.

- Exemplo: Pode o credor, com segunda hipoteca sobre determinado imóvel do devedor, pagar ao titular do crédito garantido por primeira hipoteca sobre o mesmo bem, sub-rogando-se nos direitos deste, para posteriormente executar os dois créditos hipotecários e não ter de aguardar a execução do primeiro. Pode convir tornar-se titular dos dois créditos para adiar a execução para momento oportuno, ou conduzi-la de modo a que possibilite a arrecadação, por hasta pública, de quantia suficiente para saldá-los.

• Inciso II: “do adquirente de imóvel hipotecado, que paga a credor hipotecário, bem como do terceiro que efetuar o pagamento para não ser privado de direito sobre imóvel.”

- Pode o adquirente de imóvel hipotecado pagar tal crédito a fim de evitar a execução hipotecaria, sub-rogando-se nos direitos do antigo credor. Caso haja mais de uma hipoteca, o comprador que paga a primeira sub-roga-se nestes direitos, possuindo preferência sobre os demais; beneficia também aquele que, por alguma relação contratual, ou mesmo por execução judicial, tenha obtido direito ou constrição quanto ao imóvel do devedor, e, para preservação e exeqüibilidade do direito, paga o débito hipotecário.

• Inciso III: “do terceiro interessado, que paga a dívida pela qual era ou podia ser obrigado, no todo ou em parte.”

- É o caso do avalista e do fiador, por exemplo, que pagam divida pela qual podia ser obrigados, sub-rogando-se automaticamente nos direitos do credor;

OBS.: o terceiro não interessado que paga a divida, neste caso, não sub-roga-se nos direitos.

2.2 – Sub-rogação convencional: decorre da vontade das partes, podendo se dar por iniciativa ou declaração do credor e ainda por interesse ou declaração do devedor, nas hipóteses em que não se acham precedentes ou pressuposto da sub-rogação legal (art. 347, C.C/02). Decorre de contrato.

• Inciso I: “quando o credor recebe o pagamento de terceiro e expressamente lhe transfere todos os seus direitos.”

- Terceiro não interessado cumpre a prestação e pode ficar sub-rogado nos direitos do credor, desde que preenchidos os seguintes requisitos: a) transferência expressa (escrita) dos direitos do credor; b) transferência ocorra antes do recebimento da prestação (considerando que após o cumprimento a obrigação se extingue). Pode ser feita sem a anuência do devedor.

• Inciso II: “quando terceira pessoa empresta ao devedor a quantia precisa para solver a divida, sob a condição expressa de ficar o mutuante sub-rogado nos direitos do credor satisfeito.”

- Realizada no interesse do devedor, independe da contado do credor; o terceiro não interessado que empresta a prestação necessária ao cumprimento da obrigação para o devedor pode sub-rogar os direitos do credor, desde que nas mesmas condições do inciso anterior, ou seja: a) condição expressa de sub-rogar-se nos direitos do credor; b) contrato anterior ao cumprimento da obrigação.

     3. Efeitos / Características da sub-rogação:

3.1 – Liberatório: libera o devedor ante o credor originário.

3.2 – Translativo (substituição de credor): substitui o credor, transmitindo ao novo (terceiro) os direitos de crédito do primitivo.

• Na sub-rogação legal, o sub-rogado somente pode reclamar do devedor aquilo que houver desembolsado (art. 350 C.C./02);

• Na sub-rogação convencional, por ser contratual e passível à vontade das partes, pode ser
determinado que haja sub-rogação total mesmo não ocorrendo desembolso integral da quantia necessária a satisfação do crédito primitivo.

4. Sub-rogação parcial: “o credor originário, só em parte reembolsado, terá preferência ao sub-rogado, na cobrança da divida restante, se os bens do devedor não chegarem para saldar inteiramente o que a um e outro dever.” (art. 351, C.C./02).

- Quando o terceiro paga apenas uma parte do débito, torna-se sub-rogado apenas desta parcela, permanecendo o credor primitivo com a preferência na cobrança restante. No caso de mais de uma pessoa sub-rogar tal crédito, não há entre eles preferência alguma, sujeitando-se a regra da igualdade dos credores (apenas o originário é preferencial).

Fontes: